sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Quitandas ummmmmm...
http://quitandasdeminas.blogspot.com agradecimentos e créditos
Águas de Março fecham o verão, águas de Março trazem as enchente das goiabas. E nesse meio de Março, em meio a terremotos e tsunami no Japão, tive a oportunidade de ir pra roça onde moram os pais de uma, velha amiga.
Com desejos de um fogão à lenha, tive a chance de muito mais. Além do fogão à lenha onde se faz a comida do dia a dia, pude ajudar em todo o processo da feitura de uma autêntica goiabada cascão – caipira , como fizeram questão de realçar - : desde limpeza geral, que consiste em lavar, tirar os olhinhos, os bichos, partir e tirar o miolo, depois lavar um a um cada pedaço, até a rapa final do tacho. Depois encher 11 potes de um quilo e mais uns 12 de meio quilo e outros tantos menores já que essa goiabada era para distribuir aos filhos e alguns amigos especiais da família.
Como já não tenho goiabeiras nos quintais, acabei ganhando um aparte das goiabas (as mais verdes) pra fazer um doce de goiaba em talhas no velho e bom fogão a lenha à minha maneira, sem tirar as cascas, sem pesar. Tudo no olho. Aprendi que, como as jabuticabas, também as goiabas soltam muita água na hora do cozimento, sendo assim basta um pouco d’água.
A receita da goiabada cascão é a seguinte: foram 30 quilos de goiaba limpa para 15 quilos de açúcar. Também foi incorporada à essa massa, os miolos, que são batidos no liquidificador e passados na peneira, para retirar as sementes.
Para o doce em talha, em calda: separei as goiabas mais verdes, tirei olhinhos e bichos, tirei o miolo (que foi incorporado à goiabada cascão).Limpei o tacho, com limão e sal como manda o figurino. E levei ao fogo a goiaba, com um pouco de água e açúcar. Cuidei para que a calda ficasse rala e retirei do fogo assim que percebi que estavam cozidas. Coloquei num vidro de boca larga e só coloquei a tampa, depois de bem frio.
Pronto: doses de vitamina C suficientes pra dês classificar o limão, também as vitaminas A e B1 e os sais minerais cálcio, fósforo e ferro, além do sabor incomparável dessa bem brasileira fruta.
Ah, o Tacho! Tacho para ferver água no fogão a lenha. Tacho para fritar costelinha de porco ou refogar couve-mineira. Tacho para escaldar polvilho para o pão de queijo. Tacho para fazer doce de leite e compota de frutas. Tacho grandão para receber caldo de cana que engrossa, vira melado e depois rapadura.
E a rapa do tacho? Rapa que a vó deixa a gente rapar e se lambuzar. Rapa de doce sequinho, queimadinho, no ponto! Rapa do tacho da infância, da roça da vó, da cozinha da vó!
A Rapa do Tacho é isso: é lembrança da cozinha de chão vermelhão e telha escurecida pelo fogão a lenha. É saudade de café quentinho e pau-a-pique no fim das tardes de férias de Julho. É vontade de comer bolinho de chuva, broa de fubá, pão de queijo e pipoca no alpendre da casa da vó com os primos pequenos.
É aqui que vou prosear sobre a mágica de cozinhar, e provar, delícias que fazem a nossa vida valer mais.Tacho de cobre de verdade pede forno a lenha e colher de pau
Com tacho ou sem tacho, se achegue mais e tome um cafezim com a gente, uai!
Os tachos de cobre chegaram ao Brasil junto com as famílias portuguesas. Muito comum na Europa, era o recipiente mais usado para fazer doces em pasta e em pedaços. Nas Casas Grandes, as sinhá ditavam receitas para as iaiás de quitutes açucarados à base de frutas. Hoje, ele está em risco de extinção.
Marmelada, goiaba das e cocadas dulcíssimas atendiam bem ao gosto da época e ganharam o Brasil. Exemplo disso é a tradicionalíssima goiabada cascão feita no Rio de Janeiro, no interior de São Paulo e em Minas Gerais, já falada nesta coluna. Na cidade mineira de São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto, esse e outros doces de frutas feitos no tacho têm pelo menos dois séculos de produção artesanal. Lá, a tradição é tão forte que o modo de fazer os doces (de potes, barras, compotas e cristalizados) ganhou o título de Património Imaterial do Município.
Por todas as cidades de Minas Gerais, aliás, os doces feitos em tacho de cobre são presença marcante. Esse é um dos símbolos da doçaria mineira, que tem personagens memoráveis. Caso de seu Chico Poceiro, de Tira dentes, que faz cajuzinho com amendoim, canudinho com doce de leite e doce de abóbora em pedaços no tacho de cobre; e do Bolota, que prepara doce de leite cremoso e sem muito açúcar no mesmo vilarejo.
No interior de São Paulo, a obra do pintor Pedro Alexandrino dá uma ideia de como se vivia nas fazendas no fim do século 19 e meados do século 20. Entre os quadros do artista está Cozinha na Roça, no acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, que retrata o ambiente bucólico e provinciano das fazendas e seus doces, feitos em tachos de cobre, como o de laranja da terra.
Essas são apenas algumas histórias de famílias que vivem (ou viveram) de apreciar e fazer a receita artesanal. Mas estão querendo extinguir o tacho de cobre. No ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu o uso dessas panelas alegando que o azinhavre (substância esverdeada, resultado da oxidação do cobre) pode causar problemas neurológicos.
E como não falar das doce iras da cidade de Goiás Velho, no Estado de Goiás, que foram celebrizadas pela poeta Cora Coralina, autora de deliciosos doces e poemas? No livro escrito por sua filha Vivência Brêtas Tahan, Cora Coralina – Doceira e Poeta (Global Editora/Editora Gaia), tem doce puxa, feito de amendoim e rapadura, ambrósia, doce de leite, de coco, de banana, de cidra, laranjada e mais um monte de gostosuras. Todas feitas no insubstituível tacho de cobre.
Os proprietários do restaurante Dona Lucinha, com endereços em Belo Horizonte e em São Paulo, contestam a decisão. “Não sabemos se avaliaram o método tradicional e criterioso de limpar o cobre, que é feito há tempos”, diz Márcia Clementino Nunes. “O ideal seria ensinar as doce iras a limpar adequadamente seu tacho de cobre e não eliminá-lo.”
Para ela, temos um Património Cultural condenado, sem saber se foi avaliado com a cautela que merece. “A questão que colocaria é se um doce feito em tachos muito bem limpos também foi avaliado.” Sem contar o lado social: como as doce iras do interior, com poucos recursos, vão ter dinheiro para comprar (caras) panelas de aço inox? E do que elas vão viver?
Além da perda considerável em textura e coloração, o preparo de alguns doces pode ser extremamente complicado em outra panela. O de leite feito no tacho, por exemplo, fica bege, bonito e brilhante. No alumínio, torna-se meio acinzentado.
Quando eu era criança me chamavam de “a raspa do tacho”, expressão mineira usada para se referir ao filho caçula. E cresci muito bem comendo as tais receitas que "fazem mal". Tomara que elas não virem lenda e fiquem apenas nos livros e em nossa memória. Estamos correndo o sério risco de perder as tradições seculares em troca de uma cultura pasteurizada, esterilizada, sem sabor e impessoal. Sem colher de pau, sem tacho de cobre, sem queijo de leite cru... Do que mais teremos de abrir mão?
Foto: Cristiano Lopes/Divulgação
Doce de leite feito no tacho de cobre
Doce de leite
Receita extraída do livro Cora Coralina – doceira e poeta (Global Editora/Editora Gaia)
Ingredientes
3 litros de leite
3 xícaras (chá) de açúcar
1 pau de canela ou casca de 1 limão
Modo de preparo
Coloque o leite e o açúcar em um tacho de cobre e leve ao fogo com um pires virado para baixo (no fundo do tacho) para que o leite não derrame. Deixe ferver até que comece a engrossar, retire o pires, coloque o pau de canela e mexa sem parar, até dar a consistência de um creme.
Retire do fogo e disponha em uma compoteira. Sirva gelado. Se preferir o doce em pedaços, deixe mais 20 minutos em fogo baixo, mexendo sempre. Despeje em um tabuleiro para esfriar e corte.
Dica
Para o leite não talhar, coloque uma colher (de café) de bicarbonato, quando o doce começar a engrossar.
Receita de Dona Lucinha para limpar o tacho de cobre:
1 limão
Sal
Sabão em barra
Palha-de-aço
Aqueça o tacho e junte o sal. Depois, corte o limão ao meio. Passe as metades do limão espremendo por todo o vasilhame, limpe todo o tacho até que ele tire todo o azinhavre (camada tóxica esverdeada que se forma no metal resultante de oxidação).
Enxague o tacho sem sabão para tirar todo o azedo e retirar todo o limão (não se pode usar nem palha-de-aço, nem sabão em cima do azedo, senão azinhavre volta rápido). Só então passe o sabão e, com a palha de aço, areie bem, enxague e seque. Leve o tacho seco ao fogão e coloque os ingredientes do doce.
Observação: segundo a Anvisa, esse método caseiro não é cientificamente comprovado na extracção do azinhavre. http://comida.ig.com.br agradecimentos e créditos
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Que bom que veio aqui espero que goste deste cantinho mineiro..